sexta-feira, 26 de março de 2010

Propaganda do futuro!

Pra gente pelo menos parar pra pensar no futuro! O texto é do publicitário Henrique Szklo.

Virtual, demasiado virtual

Ano 2021.
Mais de 10 bilhões de seres humanos compartilham este pequeno e combalido planeta. Não existem mais governos. As empresas resolveram assumir publicamente o que já faziam há anos por debaixo do pano, ou seja, mandam em tudo.
Não existe mais dinheiro físico, nem documentos. Agora, ao nascer, a pessoa tem implantado um chip em seu organismo que controla todas as suas atividades até a morte. Morte esta que foi adiada a níveis nunca vistos, pois o chip também controla as funções orgânicas e está ligado à uma central médica que em caso de alguma doença ou deficiência envia por nanotecnologia os remédios e tratamentos necessários. Mas nada disso tem a ver com bondade das empresas. É que quanto mais as pessoas duram, mais tempo elas podem consumir. O capitalismo selvagem foi substituido pelo capitalismo virtual, ou virtualmente selvagem.
As pessoas não sabem mais escrever. Os computadores reconhecem voz e fazem este serviço por todos. Não existem mais HDs nos computadores ou qualquer tipo de mídia. Gigantescos computadores, ou os Grandes Servidores, como são conhecidos, guardam todas as informações que existem. Servidores estes que são controlados, óbvio, pelas grandes corporações. Daí o seu poder.
Não existe mais privacidade. O tal do chip que todos têm em seus organismos está ligado à sistemas GPS que localizam qualquer pessoa em qualquer lugar. Registram sua voz, o som ambiente, temperatura e até odores.
O consumo foi amplamente facilitado neste momento. Como todas as informações estão centralizadas, basta a pessoa ir a uma loja, pegar o produto que deseja e ir embora. O dinheiro é automaticamente transferido da conta do cliente para a conta do comerciante. Não há mais vendedores, caixas, nada. Não há roubos também. Quer dizer, se existe gente criativa, é o bandido. Vão inventar algum jeito de roubar sim.
Numa evolução recente e extraordinária desta tecnologia, um novo chip é capaz de ler pensamentos. Resultado: as pessoas estão rapidamente deixando de falar, fato que está contribuindo decisivamente para a diminuição de conflitos e mal-entendidos. É claro que ninguém lê o pensamento alheio sem autorização, já que cada um controla o que é compartilhado e o que não é. Exceção feita às grandes corporações que lêem o pensamento de quem bem entender sem pedir licença pra ninguém. Vantagens de se ter o poder.
Os celulares não existem mais. A capacidade de ler pensamentos associada aos Grandes Servidores tornou o homem capaz de se comunicar com quem quer que seja, apenas com a força de seu pensamento.
Acabaram-se as escolas. Todo conhecimento é transmitido wireless, para o chipizinho. Dizem até que os Grandes Servidores tem capacidade de interferir no pensamento das pessoas, incutindo idéias, formando opiniões, enfim, controlando mentalmente os portadores de chip. Mas ninguém nunca conseguiu provar isso. Até porque quem tentou, inexplicavelmente desistiu e mudou de opinião num piscar de olhos. Estranho...
Televisão, cinema, rádio, livros, revistas, tudo acabou. Não existem mais mídias. Tudo é transmitido pelo chip. Por isso, a publicidade não existe mais. Quer dizer, não como conhecíamos nos idos anos de 2010. Não há mais necessidade de seduzir ninguém com conceitos, mensagens, promessas, ofertas.
As empresas que querem vender seus produtos ou serviços procuram os Grandes Servidores e compram uma quantidade específica de consumidores. São os Compradores Garantidos. Por exemplo, uma grande montadora de automóveis tem um novo lançamento e quer vender 20 mil unidades. Cada consumidor tem um preço (aliás, a máxima “todo homem tem seu preço” nunca foi tão adequada). Pega a verba e divide pelo número de consumidores desejados e aí está o plano de mídia. Os Grandes Servidores então, mandam mensagens subliminares para consumidores escolhidos por um software que os separa por gosto, poder aquisitivo, região, etc, e estes carneirinhos digitais vão na loja de carros e fazem sua compra. Eles pensam que escolheram livremente, mas na verdade uma mensagem foi incutida em seu chip pelos Grandes Servidores.
É o paraíso do capitalismo. O sonho de todo anunciante finalmente realizado. Uma mensagem publicitária que atinge todo o público-alvo, sem desperdício. Se 1 milhão de consumidores forem escolhidos para comprar uma máquina de fazer fraldas geriátricas, então 1 milhão irão comprá-la imediatamente.
Mas infelizmente o merchan não acabou. O anunciante em 2021 pode definir também a compra de alguns Formadores de Opinião. Pessoas que sairão por aí falando bem de seu produto, sem nem ao menos ter ideia do que se trata. Os Grandes Servidores enviam ao chip do sujeito um script bem bolado e ele o repete à exaustão para qualquer um que encontrar pela frente. Sai mais barato, porque aí voltamos para o processo de sedução e convencimento.
Nesta modalidade a compra não é garantida. E o nome Formadores de Opinião é só para o público externo, porque internamente são chamados de Datagaios. É claro que pessoas com mais influência custam mais caro, mas vale a pena. O ideal, como sempre, é uma estratégia de mídia mesclada entre Compradores Garantidos e Formadores de Opinião.
No final das contas, os Grandes Servidores se transformaram numa espécie de consciência coletiva, acumulando todo o conhecimento humano. Os cidadãos agora são terminais de um grande computador. Como não poderia deixar de ser, boa parte da humanidade passou a adorar os Grandes Servidores como Deus. Santa tecnologia!
Há quem acredite que, em breve, o chip, como nos antigos celulares GSM, poderá ser retirado de um corpo defeituoso e ser instalado em outro novinho em folha, sem perda de informações. A tão sonhada reencarnação digital.
Um belo dia, por razões ainda desconhecidas, ocorreu uma crise energética de grandes proporções e os Grandes Servidores desligaram. Shut down, baby! Os que sobreviveram à hecatombe, se instalaram em cavernas e voltaram a estabelecer uma comunicação analógica, através de grunhidos incompreensíveis. Próxima parada: descobrir o fogo.
*Professor, escritor e publicitário

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